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A sobrevivência por trás da tradição:

Produção de farinha de mandioca sustenta famílias, preserva laços comunitários e revela os desafios de quem vive da agricultura familiar.

Por Paulo Marcelo em 29/11/2024 às 10:30:57

Localizado a 65 km de Aracaju, o povoado Tapera da Serra, em Campo do Brito, é um exemplo de resistência e solidariedade na agricultura familiar. Nesta comunidade, a produção de farinha de mandioca é mais do que um trabalho; é uma necessidade que alimenta tanto as mesas quanto as esperanças de dezenas de famílias. Durante uma visita à região, foi possível conhecer de perto as histórias de quem vive da chamada "cultura da mandioca" e compreender os desafios e contradições desse modo de vida.

No Brasil, a agricultura familiar é responsável por cerca de 80% das propriedades rurais e emprega 67% dos trabalhadores do setor agropecuário, segundo o Censo Agropecuário do IBGE. Em municípios como Campo do Brito, com população majoritariamente rural, essa modalidade é vital para a economia local. Em Tapera da Serra, mais de 800 famílias dependem do cultivo de mandioca, que sustenta a produção de farinha, polvilho e outros derivados essenciais para a segurança alimentar e o mercado interno.

A produção de farinha em Tapera da Serra tem como centro a agricultura familiar, caracterizada pelo uso da mão de obra da própria família, em propriedades que não excedem quatro módulos fiscais. A gestão e o trabalho são realizados pelos membros das famílias, o que reforça a ligação com a terra e a tradição. Contudo, essa ligação muitas vezes não é uma escolha, mas uma necessidade diante da ausência de opções econômicas na região.

O Cotidiano de Trabalho e Solidariedade


Uma dessas famílias é a de Manuel dos Santos, conhecido como Manoel de leda, e sua esposa Edileusa Dantas. Durante a produção de farinha, a casa de farinha se torna um espaço de acolhimento e celebração. Refeições completas são preparadas e compartilhadas com todos os que participam do trabalho, reforçando os laços comunitários. "Aqui a farinhada vira festa. Levamos almoço, café da manhã e lanches para garantir que todos estejam bem para trabalhar", conta Edileusa.

Além da hospitalidade, a solidariedade é uma característica marcante da comunidade. Quando uma família precisa produzir farinha, outras se unem para ajudar, seja na colheita, no transporte da mandioca ou no preparo do produto final. Esse sistema de cooperação mútua é uma herança que mantém viva a cultura da mandioca na região, apesar dos desafios.


O Desinteresse das Novas Gerações

Por outro lado, a tradição enfrenta um desafio geracional. As novas gerações não se sentem atraídas pelo trabalho árduo da enxada, sob o sol escaldante, em jornadas que começam antes do amanhecer e terminam tarde da noite. Para muitos jovens, a falta de infraestrutura, como grandes indústrias ou mercados de serviços na região, limita as opções de emprego, fazendo com que muitos abandonem o campo em busca de novas oportunidades nas cidades.

"Se tivessem outra escolha, a maioria desses jovens não seguiria no cultivo da mandioca", comenta Manuel. A ausência de perspectivas também impacta a sustentabilidade da cultura, que depende da transmissão de conhecimentos e práticas entre as gerações.


Um Papel Socioeconômico Crucial

Apesar das dificuldades, a mandioca permanece como a "mais brasileira das culturas", devido à sua origem nativa e ampla disseminação. A produção de farinha, polvilho e subprodutos atende tanto ao consumo local quanto ao mercado nacional, sendo essencial para o abastecimento de alimentos e o controle da inflação.

Segundo a Embrapa, a mandioca é também uma das principais fontes de renda para a agricultura familiar, especialmente em regiões mais carentes de recursos. No entanto, para comunidades como Tapera da Serra, esse potencial econômico contrasta com as condições de trabalho precárias e a falta de alternativas.

Um Futuro em Questão

A cultura da mandioca em Tapera da Serra é uma história de resiliência, solidariedade e desafios. Enquanto algumas famílias encontram sentido e pertencimento nesse trabalho, outras o veem como uma obrigação imposta pela falta de opções. O que permanece claro é que a mandioca não é apenas uma planta; ela é símbolo de uma luta cotidiana por sustento, dignidade e, acima de tudo, sobrevivência.

Que futuro aguarda comunidades como Tapera da Serra? Será que a cultura da mandioca, que sustenta tantas mesas brasileiras, pode se reinventar para continuar existindo? Essas são questões que precisam ser debatidas não apenas localmente, mas em um contexto mais amplo, de políticas públicas e incentivos à agricultura familiar.


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