Nos últimos dias, assistimos a uma grande mobilização de grupos que defendem a anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Mas o que essa manifestação realmente significa? Quais são suas implicações? E, acima de tudo, qual é a prioridade do Brasil hoje?
É preciso ir além da polarização política e olhar para a questão de forma mais ampla. Anistia não é apenas um perdão coletivo — é uma decisão jurídica e política com impactos profundos na sociedade. No passado, a Lei da Anistia de 1979 foi um tema controverso porque garantiu o perdão tanto para perseguidos políticos quanto para agentes do Estado envolvidos em tortura e assassinatos. Agora, a anistia volta ao debate, mas de uma forma seletiva e estratégica.
O que estamos vendo não é um movimento de defesa da democracia, mas sim uma tentativa de proteção política. Muitos dos que participaram dos atos antidemocráticos foram manipulados, usados como massa de manobra, e agora estão sendo utilizados novamente para pressionar uma anistia que, no fundo, tem um objetivo claro: garantir a viabilidade eleitoral de uma figura específica.
Enquanto esse assunto domina o debate público, outras questões urgentes ficam de lado. E aqui surge a reflexão: por que não vemos o mesmo engajamento de políticos e manifestantes para discutir temas como feminicídio, fome, desemprego, segurança pública, melhorias salariais e direitos para o trabalhador? O transporte público segue precário, o custo de vida está altíssimo, e o brasileiro anda cansado. Mas, curiosamente, esses temas não mobilizam multidões da mesma forma que uma anistia para crimes políticos.
Além disso, vemos um fenômeno preocupante: a crescente mistura da religião com a política. Um Estado laico deveria tomar decisões baseadas em interesse público, não em dogmas religiosos. Mas, no Brasil, líderes religiosos se tornaram figuras centrais na política, muitas vezes para defender pautas que beneficiam seus próprios interesses.
Bolsonaro é um exemplo claro desse modelo de manipulação política. Ele é exatamente o que disse que seria e governou da maneira que sempre agiu como parlamentar. Se vendeu como o "antídoto" contra a "velha política", mas na prática representa o que há de pior nela. É a materialização do lado mais autoritário, inescrupuloso e demagógico do sistema político brasileiro.
Mais do que isso, Bolsonaro representa um tipo específico de eleitor: o "brasileiro médio". Aquele que se acha esperto por sonegar impostos e furar fila. Que prega a pena de morte e o extermínio da esquerda porque "inventaram a corrupção", mas assiste TV a cabo pirata. Que diz não ser homofóbico, mas tem pavor de que o filho seja gay. Que nega ser machista ou racista, mas coleciona piadas contra mulheres e negros.
Esse eleitor viu em Bolsonaro um reflexo de si mesmo. Mas é importante destacar: a idolatria por Bolsonaro não vem apenas de seu discurso, mas da repulsa ao PT. Para muitos, ele se tornou o símbolo do antipetismo, e qualquer crítica a ele é automaticamente vista como perseguição política. O curioso é que, quando políticos de outros partidos sofrem investigações ou são alvos da Justiça, essa mesma base não enxerga como perseguição, mas como "justiça sendo feita".
O Brasil tem centenas de políticos que poderiam representar muito bem o país, mas a insistência em Bolsonaro persiste. Por quê? Será que ele é realmente a melhor opção ou apenas um espelho dos valores que essa parcela da sociedade quer ver representados?
A cúpula política do país, tanto no Executivo quanto no Legislativo, precisa decidir: a prioridade é resolver os problemas estruturais que afetam milhões de brasileiros ou salvar aliados estratégicos? O Congresso, com seus 513 deputados e 81 senadores, se engaja em manifestações para perdoar crimes políticos, mas quantas vezes se mobilizou dessa forma para combater a desigualdade, garantir políticas públicas eficientes ou enfrentar a violência que atinge a população diariamente?
O debate sobre a anistia não é apenas sobre direita ou esquerda. É sobre o que realmente importa para o Brasil. Justiça não pode ser seletiva. E o povo, que enfrenta dificuldades reais todos os dias, precisa questionar: essa luta é pela democracia ou pela impunidade?